quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

moda e arquitetura

(coluna de Moda e Comportamento, publicada na revista Público A, 2a. Edição)

Resumo: A cidade e seu guarda-roupa, que relação isso tem? Porque os prédios ao nosso redor influenciam a maneira de nos vestir? Nós temos baixa estima em relação ao lugar de onde viemos. Irmãos Campanas, reis do designe genuinamente brasileiro, sucesso primeiro no exterior.

Talvez, você leitor, nunca tenha se dado conta da forma como sua cidade (prédios, cores e ritmos) interfere na maneira que você se veste. Pra me fazer entender vou usar dois exemplos drásticos do nosso país: São Paulo e Rio de Janeiro, me refiro as capitais em ambos os casos. Até porque o interior, como em todos os outros estados (talvez no mundo) é um universo paralelo, com outros hábitos, outra moda, outros códigos, outras gírias, outro sotaque.
Falando em São Paulo e Rio de Janeiro fica fácil perceber como a praia interfere na maneira despojada do carioca se vestir, assim como a metrópole que São Paulo é interfere na vida dos paulistanos, deixando os guarda-roupas dos que vivem naquela cidade bem mais cinza, clássico e austero.
Outro dia estava eu num samba, quando um amigo que mora em Sampa comentou a maneira como as pessoas por lá são “montadas” e depois como a cidade é dura. Verdade. A paulistana, o paulistano, é sofisticado na essência. Os escarpins de bicos longuíssimos, os terninhos, muito preto, muito preto e branco... É a cara très sofistiquê deles, ham?
E deveria ser diferente? Acho que não, São Paulo é cinza, uma selva de pedra, um ritmo frenético, não dá pra relaxar. Também não dá pra usar um figurino relax, dá? Assim como o Rio jamais combinaria com terno cinza mescla de tweed, ou twin-set. O Rio tem muitas cores, muitos humores, muita mistura, vai que o colorido da moda carioca é conseqüência.
O movimento Folk (palavra que remete a folclore e mistura de etnias) da moda surgiu não na África, mas em cidades cosmolitas, multi-culturais, multi-raciais. Cidades assim geralmente vêm acompanhadas de um China Town, um bairro de Indianos, outro de latinos, outra vizinhança de nativos: europeus, descendentes de europeus, enfim... Essas cidades possuem uma energia mixada que reflete na arquitetura e na maneira de vestir.
Diz o estilista, historiador e professor de moda João Braga que “a criação de roupas também bebe na fonte dos fundamentos da beleza...” Estilo, teoricamente é entendido através de três pontos de vista: estilo pessoal, ou do artista, estilo da época, estilo de um povo. Ele completa: “As pessoas se cobriam com folhas, depois passaram a usar peles de animais, estes materiais também eram usados pra criar espaços de maior permanência e proteção. Detalhes arquitetônicos estão presentes nas roupas em todas as épocas. Nas túnicas helênicas, o tecido forma nervuras semelhantes as das colunas Gregas. Podemos observar reflexos da arquitetura gótica e seus arcos ogivais nas armaduras. Os excessos visuais do Barroco e do Rococó também estão presentes nas indumentárias deste período, e por aí vai.” E na Revolução Industrial, cita Braga, os industrias que não podiam sair com uma chaminé na cabeça, símbolo do dinheiro e do progresso, usavam as cartolas, além da calça comprida, chamada de calça-chaminé.
Para este século observamos a moda e a arquitetura passar por hibridismos estilísticos, pluralidade de formas, aspectos de desconstrução visual, personalização e referências de luxo e requinte.
Preciso citar os irmãos Campanas, designers de móveis, jóias e Melissas, eles dizem que só foram valorizados no Brasil após se consagrarem na Europa. Nós Brasileiros, principalmente nós Nordestinos, sofremos de baixa estima em relação a nossa cidadania. Já dizia minha mãe: um povo sem direitos é também um povo sem deveres. Não temos segurança, não temos calçadas, não temos praças e parques públicos, pra não falar dos problemas realmente sérios como fome, analfabetismo, corrupção, péssima distribuição de renda, falta de justiça, empreguismos público. Como podemos valorizar as roupas produzidas na nossa cidade? Como podemos achar que uma marca local pode valer igual ou mais que uma marca importada, se tudo que é nosso parece ser sofrido, penoso e pobre. Por que mesmo vamos nos orgulhar do que é nosso?
Lina Bo Bardi era uma voz pregando no deserto quando dizia, em meados do século passado, que o designe e a arquitetura deveriam beber na cultura brasileira. Hoje as coisas melhoraram muito pro nosso lado. Já temos identidade, competência, e destaque mundial, em casos isolados, mas temos. Começamos, afinal de contas.

Bianca Gadioli Cipolla

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