(coluna de Moda e Comportamento, publicada na revista Público A, 4a. edição)
Resumo: a moda do carioca, o astral do Rio, a magia desse lugar. O que é que eles têm que a gente não tem? Que bossa é essa? Que samba é esse?
Sábado de carnaval, feijoada ótima no lindo apartamento de uma amiga que mora no Alto Leblon, turma animada, carnaval começando, vista pro mar, pro Cristo, trovoadas no horizonte e de repente estou eu a conversar com José Ricardo, professor de história da arte, curador das obras do Roberto Marinho, uma persona!
Papo vai, papo vem, começamos a falar da moda carioca. Aquilo que era só um bate-papo e não uma entrevista (pena! Poderia estar com um gravador na mão...) se transforma numa análise interessante sobre a moda do lugar.
O Rio é uma cidade onde as pessoas se impõem pelo estilo, e não pelo dinheiro ou pelo poder. O estilo pessoal é o bem mais precioso do carioca, e assim ele inventa e catalisa novas modas que são copiadas pelo mundo a fora. Usar chinela havaiana com calça jeans, o carioca inventou isso há um tempo atrás.
Cidades como Rio e Londres criam, outras como São Paulo e Milão, copiam. Copiam rápido porque o dinheiro e a informação circulam freneticamente. As coisas chegam e são absorvidas. Mas raramente produzidas lá, nas ruas, pelo próprio orgulho de ser quem se é, de morar onde se mora, da beleza do lugar, da raiz, da identidade, da auto-suficiência de quem não quer estar em outro lugar. Nesses lugares que absorvem e copiam o que o mundo oferece a vida transcorre com barreiras: o dinheiro, a influencia, o poder, os contatos.
Já no Rio a vida acontece de maneira mais democrática. As pessoas andam a pé naquelas calçadas lindas, largas, arborizadas, coloridas, no meio daquele cenário maravilhoso, se misturam, jogam peteca, se conhecem, circulam, se interessam uma pelas outras pelo ES-TI-LO que cada uma apresenta, se fazendo interessante ou não para os demais. Isso vem do DNA, vem do ser, e não do estar, por exemplo: estar rico, estar influente, estar poderoso.
Adoro a moda carioca, vou pro Rio, encho a mala e faço uma promessa: em Fortaleza não vou tirar minha sandália de dedo, nem estas roupas leves e fresquinhas com cara de praia.
Isso não acontece, chego aqui e logo estou de salto-alto nestas ruas sem calçada, perdendo a virola em cada esquina. A gente vive ao lado da praia, a cidade é quente, esturricante, estamos embaixo da linha do equador, a cidade é uma das mais claras do mundo, perdendo apenas pra algum lugar no deserto do Saara. Mas de alguma forma não nos vestimos de maneira descompromissada. Nos empacotamos demais e estamos sempre over dressed.
Adoro – não as roupas, mas as idéias - da Farm. Tem uma Farm na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, que separa pras clientes vips cadeira e guarda-sol. Que boa idéia!
Adoro – sim, as roupas – da Maria Bonita Extra. Tudo que meninas como eu querem usar no day-by-day.
Adoro – mas cansei – da Osklen. Lindo, mas cansei. Chique, mas cansei. A Osklen é igual Fernanda Abreu, muito bom, muito bom mesmo, mas cansa. Aí também já é carioca demais.
O Oscar de melhor figurino vai para os garçons da Forneria São Paulo (em Ipanema): très sofistiquê! Calça de alfaiataria com pregas cinza mescla, pernas largas e curtas (bem em cima do tornozelo, à italiana). Camisa branca com mangas curtas, comprimento do corpo curto, abotoada até o colarinho e por baixo uma roupa de dentro: regata de malha branca. Mistura retrô-moderna que funcionou muito bem!
A regata de malha por baixo da camisa de botão é um costume de antigamente, quando o homem não devia mostrar os pelos, nem o peito através da transparência da camisa. Meu avô, sujeito elegantíssimo sem saber, usa até hoje.
Adoro a Livraria da Travessa, a galeria de fotos Tempo, café da manhã no parque Lage, missa de canto Gregoriano no mosteiro de São Bento, subir a pé o morro do Leme, pegar uma bike e ir pela ciclovia até a Praia Vermelha, a praia em frente ao Hotel Fasano perto do Arpoador, o restaurante Aprazível, a nostalgia de Copacabana, o jardim botânico, show no morro da Urca, e o melhor de tudo, você pode fazer tudo isso com a mesma roupa: shortinho, chinelo, biquíni e blusa.
E como se não fosse bom o suficiente, o carioca ainda melhora o cenário: coloca um Cristo em cima do Corcovado, aterra a Urca e o Flamengo, arboriza, planta, cuida, cultiva. Enfim, ele ama a cidade. Ele se ama.
Bianca Gadioli Cipolla
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